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O que nos ensina a Biblioteca do D. Anacleto. A um ano da sua partida.
Após o falecimento do D. Anacleto, os responsáveis pela administração dos seus bens decidiram doar uma parte da sua biblioteca académica em alemão, italiano, inglês e francês ao Instituto Católico de Viana do Castelo. Também incluíram alguns volumes em espanhol. Lamentavelmente, por razões que ignoramos, os livros em português de Sagrada Escritura tiveram outro destino.
Pensamos que em termos da riqueza da biblioteca para a investigação e a integridade do legado e compreensão da figura intelectual do nosso bispo, teria sido melhor a permanência também das obras em português. Mesmo assim, estamos já gratos pela valiosa concessão.
A maior parte das obras é composta por duas colecções em alemão com comentários individuais a cada livro do Antigo e do Novo Testamento, vários dicionários e léxicos teológicos. Para além dessas, mais de uma centena de obras específicas sobre o Novo Testamento e, ainda, aproximadamente outra centena de obras só sobre os escritos paulinos. De facto, essa era a área principal de interesse do D. Anacleto. Felizmente, entre as doações, consta um exemplar da sua tese de doutoramento: Die Diakonie der Gerechtigkeit und der Versöhnung in der Apologie des 2. Korintherbriefes: Analyse und Auslegung von 2 Kor 2,14—4,6; 5,11—6,10 (ADiaconia da justiça e da Reconciliação na Apologia da 2 Carta aos Coríntios: Análise e Interpretação de 2 Cor 2,14—4,6; 5,11—6,10). Um momento particularmente emotivo ao colocar os seus livros em ordem foi encontrar um comentário ao evangelho de João, por Santi Grasso, que me pediu para lhe comprar e que trouxe de Roma em 2013.
Constam ainda numerosas obras de liturgia e espiritualidade (uma das suas paixões e áreas de responsabilidade enquanto Presidente da Comissão Episcopal de Liturgia e Espiritualidade durante vários anos). Entre os anos 2001 e 2004, comprou vários livros sobre o tema da violência da Bíblia. Foram os anos do ataque às torres gémeas em Nova Iorque, seguido dos atentados em Paris, Madrid, Londres… O D. Anacleto era um homem atento à realidade do mundo e procurava ler nas Escrituras a Palavra de Deus para o nosso tempo.
Se uma biblioteca nos diz muito sobre uma pessoa, tanto mais nos dizem os objectos e apontamentos deixados no meio dos livros. A biblioteca do D. Anacleto mostra os sinais de alguém que partiu inesperadamente e que não preparou esta herança. Vários livros foram começados a ler, mas não acabados, como mostram os apontamentos em folhas soltas, os marcadores e pagelas. Muitos livros estão marcados com bilhetes de avião da Air-Berlin e da Lufthansa, traindo as suas numerosas viagens de reencontro e estudo. Não faltam vários recibos das suas visitas à livraria da Herder em Münster, a sua preferida desde os tempos de estudante. Os horários do autocarro de Lisboa a Fátima recordam os seus tempos de professor e bispo auxiliar e não faltam os programas dos encontros de confraternização com os colegas de turma de seminário, que ele tanto apreciava. Precisamente, voltava de uns dias de férias com um colega de seminário, quando tragicamente faleceu.
Por feliz coincidência, escrevo estas linhas durante uns dias de formação em Frankfurt e Mainz e apercebi-me que, na casa onde me encontro, mora o biblista alemão e padre jesuíta Norbert Lohfink, na altura dos seus 94 anos. Norbert tem um outro irmão padre e biblista, chamado Gerhard, com 86 anos. Norbert é especialista no Antigo Testamento e conversei um pouquinho com ele sobre o seu comentário ao Eclesiastes que usei na minha tese de Licenciatura canónica. Gerhard, por sua vez, é especialista no Novo Testamento e era um dos autores frequentados por D. Anacleto, que tinha numerosos livros dele. Não posso garantir que tenha sido uma das últimas leituras do D. Anacleto, mas a verdade é que fiquei arrepiado quando tomei certo livro de G. Lohfink para o colocar nas estantes. É um livrinho pequenino cujo género está bem esclarecido na capa: Meditationen. Mas o que realmente me cortou a respiração foi o título: Der Tod ist nicht das letzte Wort… “A morte não é a última palavra”. Ámen, D. Anacleto! Até breve!
Pablo Lima, 18 de Setembro de 2021
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