3 anos ago · ICVC · Comentários fechados em Quando olho para os outros… todos santos e pecadores!
Quando olho para os outros… todos santos e pecadores!
Há alguns anos, perguntaram a um bispo como se sentia, a propósito dos difíceis problemas que estava a enfrentar na sua diocese. O bispo respondeu “quando olho para a minha situação, digo ‘Kyrie, eleison… Senhor, tende piedade!’ , mas… quando olho para os outros digo ‘Deo gratias! Graças a Deus!’ ” 😁
Obviamente, estava não só a justificar-se, mas a desviar a atenção de si para os outros; uma racionalização que todos nós fazemos frequentemente para nos consolarmos. A resposta tornou-se mais ou menos um cliché em certos meios e, de vez em quando, alguns ainda começam a frase… “quando olho para mim… Kyrie, eleison… mas quando olho para os outros…”. Nem é preciso completar. 😁
Curiosamente, quando estava a preparar a homilia de hoje, esta frase veio-me à memória, mas com um sentido completamente contrário. De facto, é mesmo assim que me sinto ao meditar na Solenidade de Todos os Santos. Quando olho para mim, meus pecados, as minhas misérias, as minhas falhas na hora de ser um bom cristão e um bom padre, sinceramente, rezo Kyrie, eleison! Mas quando olho para as maravilhas que Deus fez e continuar a fazer em homens e mulheres de todo tempo e lugar, através da sua obediência à Palavra de Jesus, digo cheio de alegria Deo gratias!
Em certa medida, quem me dera que estivéssemos já nos tempos apocalípticos. Quando digo “apocalípticos”, não me refiro aos programas de tv que apresentam cataclismos climáticos ou invasões de zombies. Refiro-me ao significado original da palavra “apocalypsis” que dá nome ao último livro do Novo Testamento que hoje foi proclamado na primeira leitura (7,2-4.9-14). Apocalypse, em grego, significa revelação. E a revelação que este livro faz é sobre a transformação final da Humanidade e do Universo em harmonia com Deus. As series de tv apresentam como o “estado final” da história um estado caótico de violência, doença e morte. A Bíblia, pelo contrário, apresenta como estado final da história uma era de paz, amor, e vida sem fim. E é esse tempo apocalíptico que eu desejo!
João, ou o autor do livro do Apocalipse, fala-nos de uma multidão de 144.000 servos de Deus “com o selo na fronte”. O número é claramente simbólico (ao contrário do que algumas seitas cristãs defendem): significa as Doze tribos de Israel, o povo da Antiga Aliança, multiplicado pelos Doze Apóstolos, o povo da Nova Aliança, multiplicado por mil, sinal de grandeza. A continuação, João apresenta uma outra “uma multidão imensa, que ninguém podia contar, de todas as nações, tribos, povos e línguas. Estavam de pé, diante do trono e na presença do Cordeiro, vestidos com túnicas brancas e de palmas na mão”. Quando abrimos o “Martirológio romano”, o catálogo litúrgico dos santos e mártires que são recordados em cada dia do ano, podemos contar milhares e milhares de pessoas. Em alguns dias, celebramos mesmo centenas de mártires numa só memória, muitos deles vítimas das revoluções do século XX. Mas, se acrescentarmos os membros das nossas famílias, nossos amigos, e todos aqueles e aquelas que não conhecemos, de todos os séculos antes de nós e todos os lugares do mundo, “cuja fé só Deus conheceu” (como rezaremos no Cânone Romano); aqueles e aquelas que não têm imagens nos altares das igrejas, mas têm um lugar especialíssimo no coração de Deus, então, podemos ter, pelo menos, uma pálida ideia de quão grande é esta multidão.
Aquilo que os fez santos não foi fazer milagres durante ou depois da sua vida. Nem sequer foi a canonização, porque esta só confere pública veneração e reconhecimento. Aquilo que os fez santos foi seguir os passos de Jesus, conforme as Bem-aventuranças. Gosto muito da tradução inglesa que começa “Como são felizes…!”. “Bem-aventurados” é um termo teológico muito rico, mas como ser “felizes” é aquilo que os manuais de auto-ajuda dos supermercados e livrarias tentam ensinar; enquanto muitos ainda pensam que a Igreja é “tristes” e faz pessoas “frustradas”. Mas, na verdade, “felizes!!! os pobres em espírito, os mansos, os que choram, os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os puros de coração, os pacificadores, os perseguidos pelo Reino de Deus” (Mt 5). Eu estou muito longe de tudo isto, não sou nada que se lhe pareça. Mas, ainda assim, sou feliz porque conheço gente que é mesmo assim. Conheci e conheço (tanto quanto é possível saber humanamente) homens e mulheres que foram e são santos, sem auréolas à volta da cabeça e mãos-postas. E tenho a certeza absoluta que não só me encorajam, mas dão-me um exemplo, intercedem e rezam por mim.
Por isso, a partir de hoje, quando olhar para mim mesmo, vou continuar a dizer, com todo o coração: Kyrie, eleison! Mas, quando olhar para os outros, direi: Deo gratias. E não só Deo gratias, mas também, orate pro nobis: rogai por nós.
p.pablo de lima
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